Essa postagem chega bem atrasada, pois o assunto ainda é referente do ano passado, mas o assunto é sério e merece ser destacado.
Em 2011 a Companhia das Letras manteve o ritmo de seu cronograma e lançou mais três volumes do seu projeto editorial das obras completas de Freud. A novidade no mercado editorial brasileiro veio em 2010, quando saíram os três primeiros volumes desse projeto, fazendo com que a Companhia das Letras saísse na frente na enxurrada de lançamentos que se seguiria a entrada da obra de Freud em domínio público. Quando houve o lançamento eu fiz um texto neste blog comentando o Duelo de Titãs que se anunciava.
Pois bem, bastou um ano para a situação se definir de um jeito dramático. A tradução de Paulo César Sousa vem se consolidando cada vez mais. Como já havia comentado anteriormente, a edição da Companhia das Letras é um primor de cuidado. Não digo só pelo trabalho do tradutor, que é extremamente competente e conseguiu resgatar toda a riqueza da escrita freudiana, mas pelo projeto gráfico e pela qualidade da impressão e encadernação. Paulo César Souza é um trator competente do alemão que teve o impeto de sustentar uma tradução mais literária do texto freudiano, contra todos os sectarismos e purismos dos jargões e escolas psicanalíticas. Afinal, depois de pelo menos 40 anos de discussões sobre a hermenêutica da psicanálise, o real sentido da letra freudiana e o furacão lacaniano, é preciso muita coragem para afirmar o uso de instinto e repressão como opções mais adequadas para conceitos fundamentais da psicanálise. Tenho me deleitado com cada volume e com o frescor que esse projeto trouxe para a situação das obras de Freud no Brasil.
Esperava, naquela época, que o lançamento da Companhia das Letras viesse reacender o ímpeto da Imago em continuar tocando seu próprio projeto de tradução. Afinal, eram duas propostas completamente distintas de tradução e de projeto editorial, com finalidades distintas. O Projeto de Luiz Hanns era fazer uma Edição de Estudos, tal como existe na própria Alemanha. Era uma organização temática, com extremo rigor na tradução e nos comentários editoriais. Não era um texto para se ler descompromissadamente, era preciso atenção. Afinal, além das copiosas notas de tradução e das notas da Edição Standard Inglesa originais, tinha uma série de novas notas técnicas. As notas eram tão extensas - tem dez por página fácil - que precisaram ser realocadas no final. Foi um trabalho primoroso da equipe de tradução, embora o cuidado da editora não foi o mesmo: impressão de má qualidade, erros tipográficos e erratas. Era um material de grande valia para os estudantes da obra de Freud. Então podemos dizer que eram projetos que viriam se complementar muito bem e ambos eram muito bem-vindos.
Pois bem 2010 se foi, passamos 2011 e a Imago continua completamente silenciosa sobre o destino de seus projetos editoriais de Freud. Outras traduções começaram a aparecer. Saiu a de bolso pela LP&M e agora, em 2012, acabou de sair o primeiro número da tradução de Marilene Carone pela Cosac e Naif. Para quem não sabe a Marilene Carone, tal como o Paulo César Souza o fez depois, traduziu as obras de Freud com o apoio da Sociedade Brasileira de Psicanálise. Ela foi consultada pela Imago para assumir o projeto de tradução das Obras Completas, mas a coisa nunca decolou. Até foram publicadas algumas traduções avulsas dela na forma de brochura, o que mais confundiu do que ajudou, já que ficamos com esses textos "novos" enxertados no meio dos antigos.
Em suma, os livros da Imago viraram uma babel. Já não bastasse a reimpressão da versão de 1974 em novas diagramações, perdendo a correspondência de páginas, começaram a sair essas brochuras e edições avulsas, com novas traduções ou retraduções, sem uma linha editorial coesa. Algumas traduções ficaram muito boas, por sinal. A de Osmyr Gabbi Jr. do projeto de 1895 é ainda preciosa para mim, por exemplo. Mas aí tinha a de Osmyr, a da Marilene, etc. Agora temos os três números de Luiz Hanns que, pelo que tudo indica, serão os únicos a serem lançados.
Alguns livreiros conhecidos confirmaram o que todo mundo suspeitava: a Imago não só deixou de produzir a Edição Standard Brasileira em capa dura - agora teremos só em brochura mais barata, para venda para estudantes e bibliotecas - como a nova edição não sairá mais. O motivo alegado é que agora já tem várias edições de Freud no mercado e que devemos esperar da Companhia das Letras a responsabilidade pelo lançamento das obras de Freud traduzidas direto do alemão. O que se pode entender disso é que uma vez perdida a exclusividade dos direitos autorais não é mais financeiramente viável manter o projeto de nova tradução. Ora, por que a Companhia das Letras insiste, então? Não seria porque ela entende que a qualidade do seu projeto fará diferença? Por que agora a Cosac e Naif insiste em um projeto próprio? Agora, como que uma editora que teve as obras de Freud nas mãos por mais de 30 anos não conseguiu engatilhar um projeto decente? Como não acredita na sua própria credibilidade?
É triste, muito triste... Tem algo muito errado com o mercado editorial brasileiro, principalmente com o mercado editorial de psicanálise. Eu não sei o que acontece no caso específico da Imago. Só consigo pensar que ela está falindo por pura ingerência e incompetência. É triste que uma editora que foi pioneira na publicação da psicanálise do Brasil chegue a um ocaso desses... O fato é que quem quer que seja o responsável nos deve satisfações.
De qualquer forma, parece que a mudança nesse caso é para o nosso bem. Quem sabe com a saída da Imago de campo esse vácuo não é ocupado de vez por editoras mais competentes, não? Esperemos que sim. Mas a pergunta que não quer calar é: onde andará o Luiz Hanns?