quinta-feira, 1 de abril de 2010
Todos Juntos mas Separados: uma nota sobre a virtualidade no Real
Esses dias eu fui em um dos melhores shows da minha vida: o Franz Ferdinand. Foi muito bom ver que dentro dessas novas bandas ainda tem espaço para um bom e velho rock and roll em tudo que ele tem de melhor. Também foi legal ver um casamento interessante e bem dosado entre o velho rock e a música eletrônica, principalmente no quesito visual. As vinhetas de palco, que me parecem agora serem parte inalienável de qualquer show do século XXI, foram muito bem produzidas e ajudaram muito na expressividade das músicas, sem tirar o lugar da performance dos elementos da banda. Muito, mas muito interessante mesmo.
Duas coisas me fizeram pensar.
Uma foi o quanto nossa percepção contemporânea está marcada pela lógica do video-clip. Em alguns momentos do show me vi capturado por toda aquela potência sonora e a articulação esquizofrênica de recortes, cores e formas que se repetiam compulsivamente na forma de imagens. Sinceramente, me senti naquela cena clássica de Laranja Mecânica, do Stanley Kubrick, quando o sujeito é obrigado a ver aquelas cenas todas de sexo e violência no painel de telas de televisão em um clássico experimento de condicionamento respondente aversivo. Mas há uma diferença, que me parece fundamental: agora não há racionalidade, nem propósito. Só há objetos parciais! É uma fetichização da sexualidade a olhos vistos, mas mais do que isso, é pura esquizoidia! Isso me faz pensar em o quanto nossa sociedade contemporânea induz somente uma subjetividade perversa, ou o se não temos aí também fortes componentes de esquizoidia...
A outra coisa que me fez pensar foi a constatação de algo que já venho notando a um certo tempo e vem me incomodando bastante. O número de pessoas que estavam munidas de filmadoras e máquinas fotográficas, i-phones e etc. era simplesmente impressionante. Era um festival de flashes e telas azuis registrando cada momento e cada pedaço do show. Havia alguns geeks desses por perto e me espantei ao perceber que eles praticamente assistiram a todo o show por meio da telinha do celular. Aí eu pergunto: para que? É óbvio que as fotos e vídeos ficaram com uma qualidade péssima e não expressavam nem de longe o que a experiência real do show foi. Também acredito que o valor simbólico de uma imagem está em ser representativa de algo e, nesse sentido, uma foto bem tirada simboliza muito mais do que milhares de fotogramas que registram toda a experiência do show.
Já tinha visto algo parecido nas últimas aberturas de eventos esportivos, como as olimpíadas. As delegações entravam no estádio e lá estavam os atletas munidos de seus apetrechos de gravação gravando (mal e porcamente, provavelmente) toda a situação. Ora, isso não acaba matando a própria singularidade da experiência e a importância afetiva do momento? Parece que o processo de auto-centramento exteriorizado da sociedade contemporânea caminha a passos largos, a ponto de que nossa experiência subjetiva não tem mais valor na medida em que não pode ser pública. Mais do que isso, parece que não há espaço e tempo para a reflexão subjetiva do que é a experiência. Vejam, por mais que esteja sendo aqui "contemporâneo", estou expressando certo trabalho interno que se processou nos últimos dias. Onde há espaço para isso na pura compulsão à repetição "midiada" pelos nossos gadgets?
Isso me faz lembrar um dos autores que refletem sobre a nossa "contemporaneidade", o Baudrillad, que fala do simulacro como uma forma de realidade mediada, uma construção que seduz por parecer real, por estar colada ao real, mas que é, na verdade, produto de uma simbolização própria. O virtual, mais do que uma potência de simbolização, se torna um simulacro do real, uma "segunda realidade" fetichizada e editada. Lembro também das discussões que ocorreram no começo da fotografia em torno de sua característica artística ou não. Uns diziam que a fotografia não poderia ser considerada arte porque simplesmente era uma reprodução do real, enquanto outros enfatizavam que a experiência estética da fotografia era justamente o fato dela operar um recorte na realidade e com isso a ressignificava. Ou seja, a fotografia opera um recorte na realidade evidenciando um certo sentido e, portanto, expressando uma potência de significação. Acredito que esse veio artístico tenha se desenvolvido em boa parte das artes visuais até hoje, mas me pergunto se não estamos cada vez mais próximos do mero simulacro. Como o big brother, não havia nada de artístico ou expressivo nessas tentativas ingênuas de captura do real tal como ele se mostrava. Pelo contrário, elas empobrecem e banalizam o que é a experiência de produção de sentido no encontro com a alteridade. Elas propriamente aniquilam a possibilidade do encontro significativo. É aí que vejo como essa experiência é significativa de outra frase que é paradigmática da contemporaneidade: o espaço virtual é um jeito de estarmos todos juntos, mas simultaneamente separados. Pensem um pouco nisso!
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