terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Japiassu e o Eclipse da Psicanálise
Um Livro em Defesa à Psicanálise
Resenha de "O Eclipse da Psicanálise", de Hilton Japiassu (Rio de Janeiro: Imago, 2009)
Quando eu ainda era estudante de psicologia, havia uma certa aura em torno de Japiassu. Era um acadêmico reconhecido que escrevia sobre epistemologia da ciência e sobre os fundamentos das ciências humanas. Falava-se muito dele até meados de 1990, mas com o tempo seu prestígio foi caindo. Na verdade, me deu a impressão que ele foi sendo esquecido; meio que ficando para trás diante das novas gerações que vinham discutir história e epistemologia da ciência. Penso que nas ciências humanas e na psicologia seu anacronismo foi se operando na medida em que foi se consolidando uma leitura mais contemporânea dessas questões, escorada principalmente em Foucault. Mas eis que depois de um certo tempo esquecido esse autor retorna com a publicação de um livro sobre Psicanálise, o que me chamou muito a atenção, até porque nunca me pareceu que essa fosse muito a praia dele. Resolvi então ler e cheguei a algumas conclusões que compartilho com vocês.
Minha impressão do trabalho de Japiassu sempr foi de que seus livros de introdução às ciências ou de discussão epistemológica mais ampla eram bons, mas quando chegava na discussão sobre as psicologias, a coisa deixava um pouco a desejar. Sua formação era em Filosofia e sempre trabalhou com epistemologia e história da ciência. Seu livro sobre a Epistemologia da Psicologia era interessante, mais irregular. Detinha-se sobremaneira na discussão sobre os behaviorismos, partindo de uma visão um tanto restrita de que seriam a única saída verdadeiramente viável para o projeto de uma "psicologia científica". Nisso outras alternativas epistemológicas dentro do campo das teorias e práticas "psi" ficavam subdimensiondas. Embora reconhecesse a pluaridade de referenciais epistemológicos dentro do campo psi, essa discussão não era abordada de forma aprofundada, ficando em alguns esboços esquemáticos que não convenciam. Além disso, parecia que a Psicanálise era o único sistema que se contrapunha aos ditames da psicologia científica, de forma que toda a questão ficava muito polarizada entre psicologia experimental e psicologia clínica. Diante de algumas leituras mais críticas que vinham aparecendo, como a de Luis Claudio Figueiredo, sua apresentação carecia de sistematização e aprofundamento.
Além disso, a escrita de Japiassu sempre me incomodou. Acho que alguns estilos de escrita são muito complicados para o leitor. Existe, por exemplo, o estilo que eu chamo de "acadêmico enciclopédico", que expõe conhecimento por meio de ricas citações, muitas vezes na língua original da fonte. É um recurso bastante cansativo, principalmente se o autor se restringe a elencar esses pedaços de informação sem articulá-los ou discuti-los. Trata-se de uma redação muito colada na dissertação e que pode ser extremamente irritante se o autor toma gosto pela coisa e se perde na demonstração de sua erudição e intimidade com os clássicos. É, inclusive, o estilo utilizado por um outro grande autor no campo da história e epistemologia da psicologia: o Antônio Gomes Penna (que merece um outro texto). De qualquer forma, peca pelo excesso. Outros autores tem uma tendência oposta, que é a de escrever de forma muito coloquial e organizando os conteúdos de forma muito casual. Muitas vezes abusam do recurso a tópicos e notas de rodapé, tecendo uma discussão que acaba desorganizada e por demais ampliada. Esse estilo "lista de tópicos" é a cara de Japiassu. Em muitos dos seus livros os parágrafos chegam a ser substituídos por pequenos textos em tópicos que se articulam mal entre si, deixando o leitor confuso com relação ao sentido da argumentação. Isso quer dizer que você perde facilmente o fio da meada e tem a impressão também que a coisa acaba não se aprofundando nunca e retornando sempre. Esse estilo peca também por não permitir uma apreensão mais sistemática dos conteúdos e embora dê a impressão de uma leitura "fácil", não chega onde deve chegar. Pois bem, nesse último livro o estilo de Japiassu mantem-se o mesmo. Isso acaba por reforçar a impressão geral que tive da leitura deste livro: apresenta o campo da discussão, mas não traz nada de novo e original para ela.
Ademais, a impressão é reforçada pelo tom panfletário que o livro necessariamente tem. Isso porque é claro (como mostra o título) que a motivação do autor em escrever o livro foi defender a Psicanálise diante do atestado de crise dado pela cultura e pela ameaça de aniquilamento proferida pelo campo das neurociências. Nesse sentido, o livro de Japiassu é uma tentiva de resposta ao Livro Negro da Psicanálise, polêmica obra de ataque ao saber e à prática psicanalítica produzida pelo campo da psiquiatria e das neurociências na França. Para quem não sabe, foi um livro publicado em 2005, em vista da comemoração dos 150 anos de Freud, que provocou uma enorme polêmica e um movimento de defesa que gerou um livro-resposta (publicado seis meses depois) e uma série de debates e textos que chegaram até o Brasil. Basta uma rápida busca no Google que se acha textos em resposta a essa questão, de Jorge Forbes a Elizabeth Roudinesco. Diante disso, o livro de Japiassu acaba ganhando o tom que essas discussões sempre têm: defesas acaloradas e posições extremadas.
Pois bem, enquanto um livro que se propõe a apresentar a polêmica e mostrar a tônica das respostas dadas em defesa da psicanálise, o trabalho de Japiassu é elogiável e bem vindo, até porque muito do que foi publicado sobre a polêmica está em francês e, portanto, não é acessível a todos. Está lá o essencial das respostas de Roudinesco e de René Major, por exemplo. Mas no que tange a apresentar uma resposta original e específica para essa discussão, o trabalho de Japiassu deixa a desejar. O que se vê é uma ampla apresentação de tópicos que, em geral, já são conhecidos por quem é da área: a originalidade da escuta psicanalítica, a ruptura da psicanálise com o projeto da modernidade, o papel político e social da psicanálise diante da sociedade pós-moderna, a psicanálise como lócus de resistência da subjetividade, a crítica ao avanço da ideologia cientificista e consumista, etc. Contudo, nem todo mundo que se aproxima da psicanálise o faz por esse viés crítico, então o livro é uma boa introdução a essa discussão. Mas os trabalhos de Joel Birman, Jurandir Freire e Maria Rita Khel, por exemplo, tem maior alcance e substância. Em suma, fiquei com a impressão que apesar de simpatizante (o que por si só foi uma verdadeira surpresa), Japiassu ainda se aproxima da questão como um comentador que tomou posição mas ainda é estrangeiro ao campo.
Assim, parece-me que o livro de Japiassu tem o mérito de apresentar e manter em foco a discussão sobre o lugar da psicanálise na sociedade e na cultura contemporâneas.
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu tendo a flertar bastante com o behaviorismo e, como bom graduando de Psicologia, quis pegar para ler o livro "Introdução à Epistemologia da Psicologia" ao perceber que um bom pedaço dele é dedicado à crítica ao behaviorismo, pois queria entender o outro ponto de vista. Logo no começo, Japiassu deixa claro que fala como um outsider, então fui dar uma folheada mais à frente e me deparei com afirmações erradas; por exemplo, diz que Skinner propunha uma psicologia que explicava tudo em termos de resposta a estímulos (ignorando que o maior feito teórico de Skinner foi a formulação do paradigma do comportamento operante), confunde propostas diferentes de behaviorismo (tratando o behaviorismo mediacional, contemporâneo ao skinneriano, como um sucessor deste, enquanto a realidade é que a maioria dos analistas do comportamento atuais seguem uma linha iniciada por Skinner), reproduz críticas já respondidas e até mesmo inválidas (behaviorismo como "caixa preta", esta respondida pelo próprio Skinner). Existem erros de definição de termos usados pela abordagem. Receio que Japiassu não tenha lido nenhuma fonte primária sobre a teoria que critica, apenas comentários de várias fontes secundárias.
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